quinta-feira, 17 de maio de 2012

Alexy à Brasileira ou a Teoria da Katchanga


Alexy à Brasileira ou a Teoria da Katchanga

Por George Marmelstein Lima

Na semana passada, viajei para Floripa para ministrar minha aula no módulo de direito constitucional na Emagis. Após as aulas, dei uma volta pela cidade com alguns juízes federais que participaram do curso e, através deles, ouvi a seguinte anedota:

Um rico senhor chega a um cassino e senta-se sozinho em uma mesa no canto do salão principal. O dono do cassino, percebendo que aquela seria uma ótima oportunidade de tirar um pouco do dinheiro do homem rico, perguntou se ele não desejaria jogar.

- Temos roleta, blackjack, texas holden’ e o que mais lhe interessar, disse o dono do Cassino.

- Nada disso me interessa, respondeu o cliente. Só jogo a Katchanga.

O dono do cassino perguntou para todos os crupiês lá presentes se algum deles conhecia a tal da Katchanga. Nada. Ninguém sabia que diabo de jogo era aquele.

Então, o dono do cassino teve uma idéia. Disse para os melhores crupiês jogarem a tal da Katchanga com o cliente mesmo sem conhecer as regras para tentar entender o jogo e assim que eles dominassem as técnicas básicas, tentariam extrair o máximo de dinheiro possível daquele “pote do ouro”.

E assim foi feito.

Na primeira mão, o cliente deu as cartas e, do nada, gritou: “Katchanga!” E levou todo o dinheiro que estava na mesa.

Na segunda mão, a mesma coisa. Katchanga! E novamente o cliente limpou a mesa.

Assim foi durante a noite toda. Sempre o rico senhor dava o seu grito de Katchanga e ficava com o dinheiro dos incrédulos e confusos crupiês.

De repente, um dos crupiês teve uma idéia. Seria mais rápido do que o homem rico. Assim que as cartas foram distribuídas, o crupiê rapidamente gritou com ar de superioridade: “Katchanga!”

Já ia pegar o dinheiro da mesa quando o homem rico, com uma voz mansa mas segura, disse: “Espere aí. Eu tenho uma Katchanga Real!”. E mais uma vez levou todo o dinheiro da mesa…

Ao ouvir essa piada, lembrei imediatamente do oba-oba constitucional que a prática jurídica brasileira adotou a partir das idéias de Alexy.

Como é do costume brasileiro, a teoria dos princípios de Alexy foi, em grande parte, distorcida quando chegou por aqui.

Para compreender o que quero dizer, vou explicar, bem sinteticamente, os pontos principais da teoria de Alexy.

Alexy parte de algumas premissas básicas e necessariamente interligadas:

(a) em primeiro lugar, a idéia de que os direitos fundamentais possuem, em grande medida, a estrutura de princípios, sendo, portanto, mandamentos de otimização que devem ser efetivados ao máximo, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas que surjam concretamente;

(b) em segundo lugar, o reconhecimento de que, em um sistema comprometido com os valores contitucionais, é freqüente a ocorrência de colisões entre os princípios que, invariavelmente, acarretará restrições recíprocas entre essas normas (daí a relativização dos direitos fundamentais);

(c) em terceiro lugar, a conclusão de que, para solucionar o problema das colisões de princípios, a ponderação ou sopesamento (ou ainda proporcionalidade em sentido estrito) é uma técnica indispensável;

(d) por fim, mas não menos importante, que o sopesamento deve ser bem fundamentado, calcado em uma sólida e objetiva argumentação jurídica, para não ser arbitrário e irracional.

Os itens a, b e c já estão bem consolidados na mentalidade forense brasileira. Hoje, já existem diversas decisões do Supremo Tribunal Federal aceitando a tese de relativização dos direitos fundamentais, com base na percepção de que as normas constitucionais costumam limitar-se entre si, já que protegem valores potencialmente colidentes. Do mesmo modo, há menções expressas à técnica da ponderação, demonstrando que as idéias básicas de Alexy já fazem parte do discurso judicial.

O problema todo é que não se costuma enfatizar adequadamente o último item, a saber, a necessidade de argumentar objetivamente e de decidir com transparência. Esse ponto é bastante negligenciado pela prática constitucional brasileira. Costuma-se gastar muita tinta e papel para justificar a existência da colisão de direitos fundamentais e a sua conseqüente relativização, mas, na hora do pega pra capar, esquece-se de fundamentar consistentemente a escolha.

Por isso, todas as críticas que geralmente são feitas à técnica da ponderação – por ser irracional, pouco transparente, arbitrária, subjetiva, antidemocrática, imprevisível, insegura e por aí vai – são, em grande medida, procedentes diante da realidade brasileira. Entre nós, vigora a teoria da Katchanga, já que ninguém sabe ao certo quais são as regras do jogo. Quem dá as cartas é quem define quem vai ganhar, sem precisar explicar os motivos.

Virgílio Afonso da Silva conseguiu captar bem esse fenômeno no seu texto “O Proporcional e o Razoável”. Ele apontou diversos casos em que o STF, utilizando do pretexto de que os direitos fundamentais podem ser relativizados com base no princípio da proporcionalidade, simplesmente invalidou o ato normativo questionado sem demonstrar objetivamente porque o ato seria desproporcional.

Para ele, “a invocação da proporcionalidade [na jurisprudência do STF] é, não raramente, um mero recurso a um tópos, com caráter meramente retórico, e não sistemático (…). O raciocínio costuma ser muito simplista e mecânico. Resumidamente: (a) a constituição consagra a regra da proporcionalidade; (b) o ato questionado não respeita essa exigência; (c) o ato questionado é inconstitucional”.

Um exemplo ilustrativo desse fenômeno ocorreu com o Caso da Pesagem dos Botijões de Gás (STF, ADI 855-2/DF).

O Estado do Paraná aprovou uma lei obrigando que os revendedores de gás pesassem os botijões na frente do consumidor antes de vendê-los. A referida norma atende ao princípio da defesa do consumidor, previsto na Constituição. E certamente não deve ter sido fácil aprová-la, em razão do lobby contrário dos revendedores de gás. Mesmo assim, a defesa do consumidor falou mais alto, e a lei foi aprovada pela Assembléia Legislativa, obedecendo formalmente a todas as regras do procedimento legislativo.

A lei, contudo, foi reputada inconstitucional pelo STF por ser “irrazoável e não proporcional”. Que aspectos da proporcionalidade foram violados? Ninguém sabe, pois não há na decisão do STF. Katchanga!

No fundo, a idéia de sopesamento/balanceamento/ponderação/proporcionalidade não está sendo utilizada para reforçar a carga argumentativa da decisão, mas justamente para desobrigar o julgador de fundamentar. É como se a simples invocação do princípio da proporcionalidade fosse suficiente para tomar qualquer decisão que seja. O princípio da proporcionalidade é a katchanga real!

Não pretendo, com as críticas acima, atacar a teoria dos princípios em si, mas sim o uso distorcido que se faz dela aqui no Brasil. Como bem apontou o Daniel Sarmento: “muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem a justiça – ou o que entendem por justiça -, passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com os seus jargões grandiloqüentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras ‘varinhas de condão’: com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser” (SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Lúmen Juris, 2006, p. 200).

Sarmento tem razão. Esse oba-oba constitucional existe mesmo. E não é só entre os juízes de primeiro grau, mas em todas as instâncias, inclusive no Supremo Tribunal Federal.

Isso não significa dizer que se deve abrir mão do sopesamento. Aliás, não dá pra abrir mão do sopesamento, já que ele é inevitável quando se está diante de um ordenamento jurídico como o brasileiro que aceita a força normativa dos direitos fundamentais.

O que deve ser feito é tentar melhorar a argumentação jurídica, buscando dar mais racionalidade ao processo de justificação do julgamento, através de uma fundamentação mais consistente, baseada, sobretudo, em dados empíricos e objetivos que reforcem o acerto da decisão tomada.

Abaixo a katchangada!

**********

Por ter um pouco a ver com o post acima, cito a seguinte decisão do STF: HC 94194.

Vou resumir o caso:

Vicente Ares Gonzales é um ex-policial civil acusado de envolvimento com a quadrilha que furtou o Banco Central de Fortaleza. Foi ele quem, supostamente, comandou a extorsão mediante seqüestro que culminou na morte de um dos principais responsáveis pelo crime. Além disso, é réu pronunciado por homicídio pelo juiz da Vara do Júri e Execuções Criminais de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e responde a processo por porte ilegal de arma e lesão corporal na Vara Criminal e de Execuções da Comarca de Varginha, em Minas Gerais.

Sua prisão preventiva foi decretada pelo juiz de primeiro grau (11a Vara/Ce), e foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 5a Região, que foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, até que…

… o STF resolveu soltar o dito cujo.

Em termos polidos, o Min. Celso de Mello disse que o juiz do caso cometeu uma katchangada (confirmada pelo TRF e pelo STJ). Para o ministro, a decisão contestada “apoiou-se em meras suposições destituídas de base empírica idônea, sequer indicando as razões de concreta necessidade que, se presentes, poderiam justificar a constrição do status libertatis (estado de liberdade)”.

Particularmente, gosto dos votos do Min. Celso de Mello. Já o elogiei aqui abertamente no caso da greve dos servidores públicos e do voto sobre os tratados internacionais sobre direitos humanos. Mas tentei encontrar, no julgamento acima, qualquer fundamentação sobre o caso específico que ele estava apreciando e não encontrei. Foi uma decisão genérica para um caso extremamente peculiar. A decisão dele cabe para qualquer outra situação. Uma Katchanga Real.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Mulher que namorava homem casado nada receberá após sua morte

Mulher que namorava homem casado nada receberá após sua morte
(30.04.12)

A pessoa que se submete a uma relação amorosa, ciente de que esta não poderá evoluir para casamento ou união estável, em face do vínculo matrimonial do parceiro, terá de arcar, no rompimento, com o abandono do relacionamento e dos benefícios que experimentava, sem fazer jus a alimentos.

Foi nessa linha que a 5ª Câmara de Direito Civil do TJ de Santa Catarina manteve decisão da comarca de São José, que negou ação declaratória de sociedade de fato ajuizada por uma mulher em relação ao falecido amante.

Ela argumentou que, "em esforço conjunto com o então companheiro, adquiriu bens que hoje estão sob o domínio da esposa oficial e dos filhos do amante". Testemunhas confirmaram que havia um relacionamento entre o cidadão casado e a jovem moça.

Para o desembargador substituto Odson Cardoso Filho, relator da matéria, "o relacionamento existiu, porém sem a real intenção de constituição de família, uma vez que a mulher sabia que seu namorado era casado e impedido". A decisão foi unânime.


Fonte: http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=27045 acesso em 02-05-2012.

As seis principais mudanças da legislação trabalhista

As seis principais mudanças da legislação trabalhista
(30.04.12)

Por Geancarlos Lacerda Prata,
advogado e professor do curso de pós-graduação em Direito do Trabalho na Universidade Cidade de São Paulo
 
O Dia do Trabalho é marcado por comemorações e protestos dos trabalhadores no Brasil e em outros países. E nos últimos anos, muitas mudanças na legislação trabalhista, como em relação à licença-maternidade, aviso prévio, trabalho à distância, estagiários e deficientes físicos, geraram mais motivos para celebração ou, até mesmo, reivindicações.

O Direito do Trabalho, por compor necessariamente relações sociais, sofre diariamente transformações. A legislação trabalhista avança e se adapta de acordo com os movimentos da sociedade, sempre primando pela proteção do trabalhador, ainda, infelizmente, por conta de atitudes ilegais de alguns empregadores ou comportamentos incompatíveis de alguns empregados.

Também pelo mundo, há legislações muito avançadas com técnicas que caberiam perfeitamente no Brasil; no entanto, a implantação seria arriscada por ausência de critérios sólidos de aplicação real da legislação nacional e devido aos altos custos de manutenção de postos de trabalho formais.

Por conta dos altos índices de analfabetismo e ausência de políticas públicas, a legislação ainda carece de melhorias, mas sem perder o escopo de proteção ao trabalhador.

Relembre as mudanças mais significativas dos últimos anos:
 


Lei
Alteração
Aumento no período de licença-maternidade
Em 2010, a licença-maternidade de seis meses passou a ser obrigatória no serviço público e opcional na iniciativa privada. As empresas que desejam estender de quatro para seis meses o período de licença de suas funcionárias podem aderir a um programa de incentivos fiscais.
Aviso prévio
A nova lei, aprovada em outubro de 2011, determina que seja mantido o prazo atual de 30 dias de aviso prévio, com o acréscimo de três dias por ano trabalhado, podendo chegar ao limite de 90 dias. Exemplo: a partir de 20 anos de trabalho, o empregado já tem direito aos 90 dias.
Trabalho a distância
Os trabalhadores que atuam fora do local de trabalho, seja em casa ou a distância, passaram a ter os mesmos direitos daqueles que exercem suas funções dentro das empresas, como hora extra, adicional noturno e assistência em caso de acidente de trabalho, segundo a Lei 12.551/11.
Legislação do estagiário
A lei n° 11.788/08 introduziu fortes inovações nas normas que regem o estágio, dentre elas, a redução da carga horária dos estágios de alunos dos ensinos médio e superior para 6 horas/dias e 30/horas semanais, e a concessão de recesso remunerado de um mês após um ano de estágio ou proporcionais para prazos menores.
Deficientes físicos
Agora as pessoas com deficiência que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) não perderão mais o benefício quando entrarem no mercado de trabalho, de acordo com a Lei 12.470/11. O BPC será apenas suspenso. A lei ainda estabelece o recebimento de pensão por morte pelos dependentes com deficiência intelectual ou mental. Caso o dependente exerça atividade remunerada, o valor é reduzido em 30%. O valor integral é restabelecido se a pessoa deixar de trabalhar.
Previdência social
A Lei 12.470/11 apresenta também diversas mudanças em relação à Previdência Social. Foi reduzida de 11% para 5% a alíquota da contribuição para o microempreendedor individual que comprove renda anual de até R$ 36 mil. A Lei ainda possibilita que mulheres dedicadas exclusivamente ao trabalho doméstico em sua residência e que tenham renda familiar de, no máximo, dois salários mínimos, possam contribuir para a Previdência com uma alíquota diferenciada, equivalente a apenas 5% do salário mínimo.

As próximas mudanças significativas poderão ser: